19/06/12

Uma viagem!

Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.


António Machado



Num  desafio lançado pela Susana Vitorino, pelo aniversário  do blog ”Viajante” (http://susana-vitorino.blogspot.pt/), nasceu a oportunidade de voltar a este espaço, para dar vos contar sobre uma viagem na memória.

A primeira tarefa foi fazer as malas para esta viagem, o que no meio de tantos afazeres na pista académica, foi um bem merecido e desejado intervalo, além dum excelente colírio para a alma e para os neurónios exaustos de tanto escalar em sebentas e manuais.

Depois havia que escolher a tal e dizia o desafio que a narrativa poderia falar numa viagem imaginada ou real….ora se viajo todos os dias, mesmo que seja só na cápsula do tempo, para frente e para trás ,imaginando ou revisitando passados…qual escolheria?
Era também aceitável , de acordo com o proposto, que se tratasse dum relato duma viagem interna ou externa. Fiquei a pensar e existe alguma que não o seja em simultâneo?

Vai daí que, de todas as que fiz até hoje, reais  e imaginadas, internas e externas, deixei que o pêndulo da vontade, escolhesse uma real (e muito antes imaginada e planeada) que  aconteceu em Setembro de 2007.
Mochila às costas, carregando comigo em todos os passos o essencial para a viagem- que grande lição foi esta-,10 dias e 250 kms pela frente. Da Sé do Porto à Catedral de Santiago de Compostela. E muito, mesmo muito calor. Nada esperado, quer pela época do ano, quer pelo percurso no supostamente recanto mais fresco da Península Ibérica, mas que se fez até do primeiro ao último dia. Na mistura destes ingredientes se fez a minha Viagem maior.

Não posso descrever o quanto intensa e vivida foi cada etapa, porque só mesmo quem já se respondeu a esta chamada ,sabe do que não é dizível neste percurso interno, à medida que se vai calcando os trilhos….atravessar o Gerês…caminhar ao lado do rio Lima …vencer o “inferno” atravessando a zona industrial do Porriño… E em cada passo, ouvir cada batida cardíaca a marcar o ritmo, sentir a presença de cada som, acrescentando à melodia toques de harmonia, de cada gota suor a percorrer a pele, da forma estranha  como nos  vamos deixando envolver na múltiplos tons de verde, até nos sentir parte da paisagem…

Há pouco tempo ,revi  o filme “Sete anos no Tibete” e quando ouvi o Brad Pitt , dando voz à personagem de H.Harrer ,falar ao Dalai Lama, sobre o que o movia na escalada de Montes e Montanhas, ressoou  na minha memória  a experiência do Caminho… dizia ele : “És preenchido pela profunda e poderosa Presença da Vida!! Tal e qual! Nada mais a acrescentar que as palavras possam traduzir mais claramente…
E como o Caminho se faz caminhando, tudo o que vos poderia contar sobre o terramoto emocional que acontece quando se chega  finalmente à Praça do Obradoiro, quando sentimos o peso esmagador da história de todo aquele granito, o que mais me apetece contar-vos, por mais estranho que pareça, é sobre as setas amarelas.

No percurso em Portugal é desta forma que o caminho está marcado, sendo substituído pelo símbolo da vieira passando a fronteira. Não que se trate duma questão nacionalista, mas sem nenhuma dúvida que  prefiro a seta…parece-me mais carregado de simbolismo.
A pintura destes sinais cumpre uma função prática óbvia: lembrarmo-nos que estamos no caminho certo. É verdade, servem para isso, para nos tranquilizar e dizem-nos silenciosamente: não desesperes, o caminho é este!
 Encontramos esta seta pintada em paredes, postes, pedras, no chão e nos muros e torna-se até um jogo divertido, ir procurando com o olhar a próxima setinha.
Entretida nesta busca, tantas vezes pensei : que bom seria se nos nossos passos diários, setas amarelas (podiam ser até de outras cores) nos mostrassem o caminho!
Mas depois, à medida que os passos e os silêncios iam fazendo a sua tarefa interna, percebi que muitos mais que essa funcionalidade, as setas me mostravam algo muito mais importante…naqueles trilhos, mesmo nos mais íngremes e duros, sem vivalma visível, outras pegadas ,muitas, muitas outras, séculos antes de mim,calcaram aquelas pedras, usaram aquelas margens como refresco, sentiram a magia no cansaço , respiraram aquele nevoeiro que embrulha o verde da paisagem em novos tons mágicos …e aí, aconteceu a Viagem interna.
É isto a Viagem…tocar e ser tocado pelos passos das outras almas!
Às vezes, como me aconteceu naqueles dias, umas dessas caminham mesmo ao teu lado, partilham a alegria, o cansaço, a emoção das pequenas e constantes chegadas que sabem a vitória, outras vezes caminhas só e até recebes a visita do desespero e exaustão (mesmo que só por breves momentos), mas sempre deixamos vestígios, tocamos vestígios passados e o prazer de cada passo, de cada um deles na partilha é o que dá sentido à viagem!

Obrigada Susana, por me teres proposto revisitar esta viagem e tudo que em mim se refez nesses dez dias que mudaram os meus passos até hoje e para sempre.
Agradeço-te especialmente pela setas ( de todas as cores do arco iris) que vais partilhando tão generosa e criativamente enriquecendo a viagem de tantos e por pertenceres a esse grupo de Alma cujo toque me inspira e alimenta.

É  isso a viagem da Vida !!